Calor e tempo seco: Veja dicas e cuidados para treinar em dias de baixa umidade do ar

Alergias respiratórias, ressecamento da pele, desidratação e hipertermia são alguns dos problemas que atingem os atletas. Um time de especialistas fala dos cuidados a serem tomados.

A baixa umidade relativa do ar, conhecida popularmente como “tempo seco”, que afeta boa parte do Brasil nos últimos dias, causa desconforto também na hora de praticar exercícios. Narinas e olhos ressecados, cansaço, dor de cabeça, pele ressecada e alergias respiratórias são só algumas formas de como o tempo seco pode afetar nossa saúde. E é natural que surjam dúvidas para quem pratica atividade física, visto que a relação temperatura ambiente e umidade do ar é essencial para exercer qualquer tipo de exercício. Quem nunca parou um treino por dificuldades em recuperar o fôlego ou até mesmo para respirar? Por isso, o EU Atleta traz dicas de um time de profissionais formado por endocrinologista, dermatologista, pneumologista e profissional de educação física para minimizar o impacto do tempo seco na rotina de treinos.

(Imagem Ilustrativa de Sarah Cervantes por Unsplash)

Com uma sequência de semanas sem chuva e a pior seca da história do país, todas as regiões brasileiras vêm sofrendo com baixos níveis de umidade do ar, o que causa muito desconforto, principalmente devido à perda de líquido pelas chamadas células da mucosa das vias aéreas. O tempo seco contribui também para a má qualidade do ar, com os poluentes se concentrando nas camadas mais baixas da atmosfera.

Umidade do ar x atividade física

Nas vias aéreas respiratórias, é preciso que seja mantida uma certa quantidade de vapor de água para evitar o ressecamento das células de revestimento, que funcionam como um eficiente filtro do ar que respiramos. Este vapor de água, por sua vez, é produzido a partir dos líquidos corporais e precisa ser mantido nas fossas nasais, faringe, laringe, traqueia, brônquios etc. Quando respiramos um ar muito seco, a necessidade de produzir este vapor de água é muito maior, e consequentemente pode existir também um ressecamento das vias aéreas, prejudicando exatamente a função de filtrar o ar e levando até mesmo a problemas respiratórios. Além disso, no ar seco costuma haver uma maior poluição.

“Durante a prática da atividade física, é comum aumentarmos o volume de ar inspirado. Como o ar está mais seco, provoca maior ressecamento de vias aéreas, levando ao cansaço prematuro, dores de cabeça, taquicardia, náuseas e câimbras”, acrescenta Yago Fernandes, médico endocrinologista.

Um atleta precisa do suor, principal mecanismo de termorregulação do corpo humano, para evitar o aumento da temperatura corporal, o que é normal durante todo exercício físico. Porém, com a baixa umidade relativa do ar, o suor acaba evaporando muito rápido e não realiza a função de homeostase, que é equilibrar a temperatura corporal, provocando a desidratação precoce e até a temida hipertermia com as alterações patológicas físicas e mentais, como explica o médico endocrinologista Yago Fernandes, que ainda acrescenta de que forma o atleta pode sofrer com o baixo desempenho em meio a esse cenário.

“Existem quatro mecanismos de perda de calor: condução, convecção, irradiação e evaporação. Os três primeiros dependem da perda direta de calor em contato com o ar mais frio. Quando a temperatura ambiente é alta, estes mecanismos são menos eficientes, e a perda de calor vai depender essencialmente do mecanismo de evaporação do suor. É importante frisar que não é a produção de suor que resfria o corpo e, sim, a evaporação do suor produzido que rouba calor da superfície corporal. Por isso, enxugar o suor produzido, evitando que ele evapore, prejudica a perda de calor. Existem evidências que mostram que a perda de líquido corresponde a 2% da massa corporal e é suficiente para causar redução na capacidade de desempenho físico”, conta Yago Fernandes.

Um problema que afeta os mecanismos que promovem a dissipação de calor, fazendo com que o indivíduo apresente um aumento da temperatura do corpo, é a hipertermia. Nela, há um aumento drástico da temperatura central, que corresponde ao coração, pulmão, encéfalo e órgãos esplâncnicos, ficando acima dos 40 ºC. A temperatura central, em condições normais, apresenta-se entre 36,6 ºC e 37,6 ºC. Enquanto esses órgãos são conhecidos por abrigar a “temperatura central”, a temperatura da pele e dos músculos é denominada periférica. Alterações nessa temperatura central, tanto em valores inferiores quanto acima dos valores normais, podem desencadear disfunções em vários órgãos, provocando, por exemplo, insuficiência renal e respiratória. Neste caso, três tipos de situações podem levar a hipertermia.

Hipertermia clássica: desencadeada pela exposição prolongada ao calor excessivo. Se uma pessoa ficar muito tempo exposta ao sol, sem que se hidrate adequadamente, há perda de água por suor e consequentemente a desidratação. Desta forma, o suor não é produzido, e o corpo não é resfriado;

Hipertermia induzida por esforço físico: neste caso, temos o aumento da temperatura interna devido à atividade prolongada da musculatura, a qual produz calor, somada a fatores como temperatura do ambiente e umidade elevadas. A incapacidade de dissipar o calor adequadamente leva ao aumento da temperatura do organismo;

Hipertermia maligna: considerada uma síndrome de origem farmacogenética potencialmente letal, a qual se manifesta em indivíduos predispostos quando submetidos a anestésicos inalatórios halogenados e/ou bloqueadores neuromusculares despolarizantes. A manifestação da hipertermia maligna pode ocorrer, de forma mais rara, após exposição solar prolongada e realização de atividades físicas intensas.

“O rendimento (esportivo) cai devido à queda da quantidade do líquido intersticial (líquido presente no sangue), tornando-o mais denso e pesado. Isso, por sua vez, faz com que o nosso coração trabalhe mais, levando a uma sensação de mal-estar. Essa combinação de tempo seco e calor pode levar a hipertermia, principalmente em pessoas que estão com um nível de hidratação abaixo de 70% de água corporal total. No entanto, existem pessoas que já estão bem adaptadas ao treinamento, e a hipertermia será mais difícil, pois o organismo tende a levar ao estado estável, que chamamos de homeostase”, completa Lincoln Cavalcante, profissional de educação física e personal trainer de famosos como Marina Ruy Barbosa e atletas como Kyra Gracie.

Um artigo de revisão da Universidade Federal do Maranhão mostrou que a desidratação prejudica o desempenho aeróbio e de força em ambientes quentes. Um aspecto relevante dessas investigações é o fato de que quanto maior a desidratação, maior a redução no desempenho físico. A exposição prolongada à hipertermia pode engrossar o sangue por causa da perda do conteúdo líquido, formando coágulos que podem entupir as artérias e provocar infarto ou AVC. Em situações de estresse, a suprarrenal libera um hormônio chamado cortisol, a fim de restabelecer o equilíbrio do organismo. Apesar de uma resposta natural e protetora do corpo, quando exposta por muito tempo, essa substância também pode passar a ser tóxica.

Recomendações gerais do “Centro de pesquisas meteorológicas e climáticas em agricultura da Unicamp” em relação a exercícios físicos em período de baixa umidade o ar:

Entre 20 e 30% – estado de atenção

  • Evitar exercícios físicos ao ar livre entre 11h e 15h;
  • Umidificar o ambiente através de vaporizadores, toalhas molhadas, recipientes com água, etc;
  • Sempre que possível ficar em locais protegidos do sol, em áreas vegetadas;
  • Consumir água, sucos e frutas à vontade.

Entre 12 e 20% – estado de alerta

  • Observar as recomendações do estado de atenção;
  • Suprimir exercícios físicos e trabalhos ao ar livre entre 10h e 16h;
  • Evitar aglomerações em ambientes fechados;
  • Usar soro fisiológico para olhos e narinas e cremes hidratantes.

Abaixo de 12% – estado de emergência

  • Observar as recomendações para os estados de atenção e de alerta;
  • Determinar a interrupção de qualquer atividade ao ar livre entre 10/16h, como aulas de educação física, coleta de lixo, entrega de correspondência, entre outras;
  • Determinar a suspensão de atividades que exijam aglomerações de pessoas em recintos fechados, como aulas, cinemas, entre 10/16h;
  • Durante as tardes, manter com umidade os ambientes internos, principalmente quarto de crianças e hospitais.

De acordo com o pneumologista Rodrigo Santiago, dentre as orientações para evitar os prejuízos que a baixa umidade do ar causam, destacam-se:

  • Hidratação, com o consumo de bastante água;
  • Lavagem nasal de 3 a 5 vezes ao dia com soro fisiológico;
  • Umidificação dos ambientes, podendo ser com toalhas molhadas, bacias/baldes com água, ou mesmo umidificador de ar. Porém, é preciso não exagerar, evitando que o aparelho permaneça ligado por mais de 3 a 4 horas no local, sob o risco de pecar pelo excesso, umidificando demais o ambiente e predispondo o local à proliferação de fungos na parede, com bolor e mofo.

Pele e vias respiratórias

Ele ainda acrescenta orientações para os praticantes de atividade física com problemas preexistentes, como asmáticos e os portadores de doenças respiratórias, as famosas “ites” (rinite, sinusite, bronquite):

“Quando a umidade relativa do ar está abaixo de 30%, é necessário evitar a prática de exercícios físicos e/ou trabalhos ao ar livre entre 10h e 16h, evitando o contato direto com o sol e preferindo locais mais arborizados. Para quem já tem doenças respiratórias, além das orientações citadas, o ideal é fazer o “básico de seu tratamento de controle”, mantendo o uso diário das bombinhas de controle da doença para os asmáticos e portadores de enfisema pulmonar o uso de corticoides nasais para os portadores de rinite (lembrando sempre que o especialista deve orientar o tratamento específico de cada paciente em questão)”, explica o pneumologista Rodrigo Santiago.

Além disso, não é só a parte física e as vias respiratórias que sentem, mas a pele também. Segundo o dermatologista Misael do Nascimento, os riscos do treinamento em um ambiente combinado de baixa umidade do ar e altas temperaturas vão desde envelhecimento precoce da pele, perda de colágeno e elastina, manchas variadas, chegando até queimaduras que não só incomodam, mas que também podem levar a interrupção da rotina de treino ou a casos de cânceres de pele.

“O câncer de pele basocelular (CBC), por exemplo, é responsável por mais de 80% dos cânceres de pele e tem relação com a exposição solar. O carcinoma espinocelular ou CEC é responsável pelos outros 20%, e o melanoma, que tem um componente genético importante, mas ainda tem o sol como agravante, gerando radicais livres”, explica Misael.

Vale um alerta também para os banhos, que não devem ser quentes, dispensando o uso de buchas, porque elas retiram a camada protetora da pele, deixando-a ainda mais ressecada. É recomendado o uso de muito hidratante pelo corpo. Outro importante aliado durante a atividade física em meio a altas temperaturas é o protetor solar. O dermatologista Misael do Nascimento explica como utilizá-lo para potencializar a proteção, além de apontar outras proteções para a pele durante a prática de atividade físicas.

“O protetor solar deve ser preferivelmente à prova d`água/suor. Apesar da recomendação do FPS (fator de proteção solar) ser 30, é recomendado a adoção do FPS de 60 para rosto e, se possível, para o corpo também, uma vez que o atleta muitas vezes não consegue parar durante uma competição ou treino para reaplicar o produto. Deste modo, a proteção pode ser mais intensa antes do início da atividade. Um ponto importante que os protetores solares à prova d’ água e suor, é que eles devem ser aplicados com o corpo seco, antes de suar, de preferência em casa ou 15 minutos antes, no corpo inteiro. Sem esquecer das orelhas, o número de CBC e CEC nessa área é alarmante no Brasil, além de dorso dos pés e couro cabeludo se o paciente tiver algum grau de calvície. Não podemos esquecer também dos protetores físicos como roupas e bonés com FPS. Para surfistas e pessoas que realizam atividades no mar, é aconselhável optar por protetores de barreira física veganos para diminuir o impacto no ambiente. E este deve ser aplicado a cada duas horas. Por isso, minha recomendação é que você consulte seu médico, explique a ele sua atividade física para que possam traçar uma estratégia que não prejudique nem o treino, nem a saúde. Há sempre um protetor solar que atende a necessidade de cada pessoa”, explica o dermatologista.

Dicas e cuidados durante o treino

Diante dos problemas que podem ser ocasionados em meio a esse cenário, você pode até pensar que o melhor é suspender as atividades durante esse período. No entanto, o sedentarismo e a inatividade física não devem ser uma alternativa. Portanto, se você é o tipo de atleta que gosta de treinar em áreas abertas, como parques e praias, beba muita água. Mas tenha cuidado com os isotônicos, pois o conteúdo de sal e glicose pode ser um problema para hipertensos ou diabéticos.

“Atualmente existem eletrólitos em forma de água para as pessoas que não querem ingerir um isotônico que contém carboidrato, conservante e químicas. Mas para os que não podem investir nesses recursos, basta a água normal, filtrada”, recomenda o profissional de educação física Lincoln Cavalcanti.

Outra dica valiosa é procurar reduzir a carga de exercício e antecipar os horários de treino para antes das 9h. Desta forma, você evita a desidratação. Prefira ambientes fechados, com sistema de umidificação. Caso perceba qualquer sintoma no ouvido, nariz ou garganta durante o exercício, suspenda a atividade. Preste atenção na intensidade do esforço físico, tendo o cuidado de não ultrapassar seus limites.

“Não é para interromper a prática da atividade física durante essa época do ano. O interessante é usar estratégias para ajudar e diminuir esses sintomas. Hidratação, antes, durante e após o exercício. Buscar horários em que o clima é mais úmido, antes das 10h e após as 20h. Roupas frescas e arejadas, não muito apertadas. Buscar se exercitar em lugares perto de lagos e rios também é uma alternativa para quem gosta de se exercitar ao ar livre”, reforça o endocrinologista Yago.

  • Hidratação: antes, durante e após o treino. Prefira a água. Isotônicos e eletrólitos também são alternativas;
  • Adapte horários e locais de treinos: prefira treinar em horários alternativos, como antes das 7h ou após 20h, e o mais longe possível de avenidas movimentadas. Quanto mais baixa a umidade do ar, maior o número de poluentes que se acumulam na atmosfera, prejudicando a respiração e o desempenho. A umidade do ar tende a ser mais baixa próxima do meio-dia;
  • Reduza a intensidade: quando a umidade estiver muito baixa, procure reduzir um pouco a intensidade do exercício ou faça a atividade em ambientes controlados, como, por exemplo, numa academia;
  • Hidratação da pele: para evitar ou aliviar coceiras e irritações comuns nessa época, é recomendado o uso de loções e cremes hidratantes, além do protetor solar para atividades ao ar livre, especialmente quando em dias de altas temperaturas;
  • Olhos e nariz: a baixa umidade do ar é propícia para ressecamento não só da pele, como também das mucosas. Portanto, utilize soro fisiológico para lubrificar as vias aéreas e reduzir incômodos respiratórios, além de colírios umidificadores para os olhos.

Fonte: EuAtleta