O mês de abril marca o início da alta temporada de montanhismo no Brasil, que vai até setembro. Para os iniciantes, subir montanhas pode ser intimidante e assustador. Mas com a preparação, conhecimento e equipamento adequados, é possível desenvolver o passo a passo e extrair o máximo desta atividade desafiadora e recompensadora, desfrutando da natureza em seu estado mais puro. Mas como fazer para começar no esporte? Para responder a esta e outras perguntas, o EU Atleta conversou com Pedro Hauck, experiente montanhista e guia de montanha.
Para começarmos a conversa, é preciso entender alguns conceitos. O montanhismo pode compreender o hiking, o trekking e a escalada, até mesmo combinando diferentes disciplinas em uma mesma rota. Por outro lado, as três atividades também podem ser realizadas tanto dentro quanto fora do montanhismo.
Montanhismo: é o esporte ou cultura de subir montanhas, seja pela dificuldade física e técnica, o desafio esportivo ou pelo prazer. É também comum encontrar o termo alpinismo, mas este se refere à prática especificamente nos Alpes, cadeia montanhosa na Europa – tal qual existem os termos menos populares andinismo, referindo-se ao montanhismo nos Andes, cordilheira da América do Sul; e himalaísmo, no Himalaia, mais alta cadeia montanhosa do mundo, na Ásia. Montanhismo é um termo geral que abrange toda e qualquer montanha.
Hiking: corresponde à atividade de caminhar em trilhas, quando a ida e a volta acontecem no mesmo dia. Muitos cumes de montanhas podem ser atingidos desta forma, mas a prática também pode ser realizada em outras paisagens naturais, como praias, desertos e florestas.
Trekking: semelhante ao hiking, é o termo utilizado quando há também o pernoite em abrigo ou camping. Exige maior condicionamento físico, uma vez que carrega-se mais peso devido aos equipamentos de camping. Uma mochila média para um pernoite pesa em torno de 15kg, mas quando a logística envolve levar suprimentos para mais dias ela poderá passar dos 30kg.
Escalada: é o termo utilizado quando há alguma inclinação que torna a ascensão mais vertical, exigindo o uso de técnicas e equipamentos específicos, como cabos de aço, escadas e pinos metálicos. Hoje, a escalada cresceu ao ponto de criar uma identidade própria, já que também é praticada no formato indoor, em ginásios nas cidades, ou mesmo em afloramentos rochosos onde o objetivo não é o cume, mas a dificuldade em si. Recentemente, virou esporte olímpico cujas disputas ocorrem em vias artificiais e não nas montanhas.
Para quem é o montanhismo?
Pedro aponta que o esporte exige um bom condicionamento físico, mas destaca que existem diferentes níveis que o tornam acessível a todos, desde que respeitado cada degrau em seu momento. Da mesma forma que um corredor novato não vai começar pela maratona, o montanhista de primeira viagem não pode ir de primeira nas montanhas mais longas, altas e difíceis. E há opções para todos, vários lugares incríveis para quem quer se aventurar por montanhas aqui mesmo no Brasil.
“O montanhismo não é para super-heróis, mas é necessário estar bem fisicamente. O bom é que há montanhas para todos. Se você está destreinado ou sedentário, precisa começar pelas mais fáceis, fazendo hiking em montanhas mais curtas. Quando você estiver melhor, pode ir a montanhas mais longas com pernoites, fazer aquelas montanhas clássicas de fim de semana”, sugere.
Conforme o praticante ganha condicionamento, ele ficará pronto para mirar objetivos mais altos, que podem estar relacionados a montanhas mais técnicas, mais altas e rotas mais longas – ou mesmo a todos estes elementos juntos. Além da capacidade de carregar mais peso e percorrer caminhos mais longos, as montanhas com pernoite vão exigir também maior planejamento logístico e conhecimento, além de maior força mental.
“Pernoitar na montanha requer mais equipamentos: saco de dormir, isolante térmico, acessórios de cozinha, comida e uma mochila maior para carregar tudo. Na sequência, pode-se fazer montanhas com vários pernoites. A mochila ficará maior, o peso nas costas também e você precisara lidar com estratégias e logística para poder ficar mais tempo na montanhas, evitando mau tempo e sabendo melhor o que levar, o que cozinhar. Enfim, já ter um conhecimento maior sobre você e seus equipamentos”, Pedro completa.
Preparo físico antes de ir para a montanha
Pode parecer clichê de dizer, mas o melhor preparo para a montanha é justamente ir para a montanha. Conforme lembra Pedro, o montanhismo é uma atividade muito prolongada em baixa intensidade e, por isso, a prática do próprio esporte de forma constante é o treinamento mais importante. Entretanto, durante a semana esse processo pode ser complicado para a maioria das pessoas, por questões como horário de trabalho e estudo. Desta forma, outras atividades físicas tradicionais ajudam a complementar as trilhas do final de semana e a alcançar um desenvolvimento mais rápido.
“O próprio processo de evolução no montanhismo pode ser seu treino se você começar pela montanha mais fácil e for acrescentando uma dificuldade a mais: tempo de permanência, ascensão vertical, altitude e técnica empregada. Uma pessoa dedicada que vai todo final de semana para a trilha e obedece esta evolução vai ganhando experiência e capacidade física. Mas, claro, um trabalho no meio da semana também ajuda. Correr para melhorar o cardio, fortalecimento muscular e uma boa alimentação vão te permitir evoluir mais rápido”, argumenta Pedro.
Dicas de montanhas para começar
Por ser uma modalidade relacionada a acidentes geográficos que variam de região para região, é difícil recomendar lugares específicos para onde começar, já que isto depende bastante de onde o praticante mora. Pedro destaca que o Brasil é um país repleto de montanhas, sendo a maior concentração delas indo da Serra Gaúcha até Minas Gerais, passando pelos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Entre elas, ele recomenda:
Pico das Agulhas Negras: localizado no Parque Nacional do Itatiaia, na divisa de Rio e Minas, é uma montanha que não exige grande nível de dificuldade. Mesmo estando entre as mais altas do Brasil, costuma ser feita em ida e volta no mesmo dia.
Pico da Bandeira: outra montanha que apesar da sua altitude – é a terceira mais alta do país – não apresenta grandes dificuldades técnicas. Localizada no Parque Nacional do Caparaó, separando os estados de Minas e Espírito Santo, ela também pode ser feita também em um dia, embora seja mais tradicional a ascensão ao cume de madrugada para apreciar o nascer do sol.
Pedra da Gávea: localizada em plena Cidade Maravilhosa, é uma trilha de um dia que vai testar sua capacidade física e técnica. Existe um trecho curto, porém bastante exposto de escalada, conhecido como Carrasqueira, onde é preciso tomar alguns cuidados extras. Aqui, é recomendado ir com alguém mais experiente que possa subir antes e fixar uma corda como segurança. Para quem possui medo de altura, existem outras alternativas na cidade como o Pico da Tijuca e a Pedra Bonita.
Pico Cabeça de Dragão: está localizado no Parque Estadual dos Três Picos, acessado pelo município de Nova Friburgo (RJ). Embora seja uma região repleta de escaladas mais técnicas, esta é uma trilha mais tranquila e recomendada para quem está começando.
Pedra Grande de Atibaia: localizada no Parque Estadual da Cantareira, é uma opção na Região Metropolitana de São Paulo. Possui três rotas para diferentes níveis de aptidão física, em que o montanhista pode escolher o que mais lhe convém.
Caminho do Itupava: opção para quem mora em Curitiba e região, esta é uma trilha indígena da época colonial localizada na Serra do Mar Paranaense, entre Morretes e Quatro Barras. Ligando o Primeiro Planalto do Paraná à Baixada Litorânea, o caminho pode ser feito subindo ou descendo. Suas principais dificuldades estão no calçamento de pedra, que pode ser escorregadio, e no seu comprimento, que chega aos 17km.
Morro do Cambirela: localizada em Palhoça, é a montanha que pode ser vista de Florianópolis quando se olha na direção do continente. É tecnicamente fácil, mas a exigência física pode ser um pouco maior já que ela se eleva desde praticamente o nível do mar até mais de 1000m de altitude.
Lembrando que é sempre recomendado ir acompanhado de alguém experiente e conhecedor do local para reduzir os riscos de acidentes.
Pelo outro lado, é importante destacar que algumas montanhas são bastante famosas – e, portanto, desejadas –, mas não devem ser frequentadas por quem não tem experiência no esporte, seja pelos seus níveis físicos ou técnicos. Entre elas:
- Dedo de Deus, na Serra dos Órgãos, Estado do Rio de Janeiro
- Serra Fina, na região da tríplice divisa entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais
- Pico Paraná, montanha mais alta da Região Sul, na Serra do Mar Paranaense.
Equipamentos recomendados
Possuir os equipamentos adequados será fundamental para melhorar a sua experiência na montanha. É importante ser minimalista para carregar menos peso, mas sempre cuidando para não levar material de menos e passar perrengues desnecessários. Alguns equipamentos podem variar de acordo com as especifidades de cada montanha ou região, mas há alguns deles que são obrigatórios ou altamente recomendados para todo praticante:
- Bota ou tênis próprios para trilha, com boa aderência na sola;
- Bastão de caminhada, fundamental para evitar quedas e reduzir os impactos da descida no joelho;
- Roupas de frio e impermeáveis, como camadas de segunda pele, casacos corta-vento (anorak) e jaquetas de pluma de ganso;
- Sistema de hidratação acoplável à mochila.
Caso haja pernoite, também são essenciais:
- Fogareiro;
- Kit de panelas e talheres para camping;
- Saco de dormir;
- Isolante térmico;
- Barraca;
- Lanterna;
- Mochila, que pode variar de 30L a 70L, de acordo com a necessidade da trilha.
Se houver trechos mais íngremes que exigem escalada, serão necessários equipamentos especiais, como:
- Corda;
- Cabos de aço;
- Pinos metálicos;
- Escada;
- Capacete;
- Magnésio em pó.
Cuidados com o clima e o tempo
Existe uma razão importante para a temporada de montanhismo na maior parte do Brasil – à exceção de montanhas na Região Amazônica, como o Monte Roraima e o Pico da Neblina – ser realizada de abril a setembro. Este é o período de maior estiagem, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, onde se localiza a maior parte da montanhas do nosso país, e, portanto, um clima mais estável e favorável à prática. Respeitar este calendário lhe dará não só mais segurança, como também uma provável maior visibilidade para contemplar as belezas naturais de cada local.
“Nestes meses, há uma melhor condição de tempo, com dias de céu azul e frio. Como a maior parte da temporada é no inverno, a insolação é menor. Por isso, sempre temos que levar lanternas, além de roupas de frio. Ainda assim, é importante sempre consultar a previsão do tempo para evitar chuvas e tempestades elétricas. Fora da temporada alta, só recomendo incursões rápidas às montanhas, pois no verão brasileiro, baixa temporada, tempestades são muito comuns”.
Vale lembrar também que é importante respeitar a fauna e flora locais e buscar deixar o mínimo impacto possível nas montanhas. Isto inclui retornar com todos os seus resíduos, não cortar a vegetação, não usar caixinhas de som e respeitar os caminhos já demarcados.
Fonte:
Pedro Hauck é mestre em Geografia Física pela UFPR e montanhista há mais de 20 anos. Em seu currículo constam diversas ascensões a montanhas de altitude, incluindo mais de 50 montanhas andinas acima dos 6.000 mil metros, e o Manaslu, oitava montanha mais alta do mundo, no Himalaia. Seus feitos renderam dois prêmios do Mosquetão de Ouro, em 2015 e 2017. Atualmente, é guia de montanha pela agência Soul Outdoor e sócio da Loja AltaMontanha, especializada em artigos de montanhismo.
Fonte: EuAtleta