Com a chegada do inverno, aumentam os casos de gripes, resfriados e outras viroses respiratórias. Nesse cenário, quem mantém uma rotina ativa de treinos pode se deparar com uma dúvida comum: é seguro treinar gripado? Em que situações a prática pode ser considerada inofensiva e quando é necessário parar tudo e priorizar o descanso? O Eu Atleta conversou com três especialistas para entender os riscos, os sinais de alerta, e os impactos no rendimento esportivo.

Entre atletas e profissionais da saúde, uma diretriz conhecida como “regra do pescoço” costuma guiar a decisão sobre treinar ou não gripado. A lógica é simples: se os sintomas estiverem apenas acima do pescoço, como coriza, nariz entupido ou dor de garganta leve, pode-se considerar continuar a treinar, desde que de forma leve. Mas, se os sinais forem abaixo do pescoço, como febre, dores no corpo, fadiga intensa ou tosse forte, a recomendação é parar imediatamente.
“A regra do pescoço ainda é válida como uma triagem inicial. No entanto, cada caso precisa ser analisado individualmente. Um nariz entupido pode parecer algo leve, mas se vier acompanhado de dor de cabeça intensa ou febre baixa, por exemplo, já muda a abordagem”, alerta Alexandre Naime Barbosa, infectologista e chefe do Departamento de Infectologia da Unesp.
Segundo o especialista, um dos maiores riscos é negligenciar sintomas que sinalizam que o corpo está lutando contra uma infecção sistêmica. Nesses casos, treinar pode ser mais perigoso do que se imagina.
Treinar gripado não é apenas desconfortável. Em alguns casos, pode ser arriscado à saúde cardiovascular. Isso porque determinadas infecções virais podem desencadear miocardite, uma inflamação no músculo do coração que, embora rara, é grave.
“Durante uma infecção ativa, o corpo já está sobrecarregado. Colocar mais estresse com atividade física intensa aumenta o risco de complicações, inclusive cardíacas. A miocardite é uma delas” afirma Otávio Morais, médico afiliado ao Instituto Nutrindo Ideais, com atuação em endocrinologia esportiva.
Ele explica que mesmo uma gripe aparentemente simples pode, em organismos predispostos, levar à inflamação cardíaca. E que, ao insistir nos treinos durante essa fase, o praticante se expõe a arritmias, fadiga crônica e até eventos súbitos.
“É fundamental respeitar o tempo do corpo. Treino e performance são importantes, mas a saúde sempre vem primeiro”, reforça.
Treinar gripado atrapalha o rendimento?
Além dos riscos médicos, insistir em treinar gripado pode ser um tiro no pé do ponto de vista do desempenho físico. O corpo direciona energia e recursos metabólicos para combater a infecção, o que compromete força, resistência e capacidade de recuperação.
“O desempenho naturalmente vai cair. Mesmo que a pessoa force o treino, ela não vai render o mesmo e ainda vai atrasar a recuperação, o que pode comprometer os treinos seguintes”, explica Lidiane Gomes, profissional de Educação Física do Hospital Universitário de Brasília (HU-UnB/Ebserh), mestre em Ciências da Reabilitação.
Segundo ela, sintomas como fadiga, desidratação e alteração no padrão de sono, comuns durante gripes, afetam diretamente a coordenação motora, atenção e tempo de resposta. E isso pode aumentar o risco de lesões.
“É importante adaptar a intensidade do exercício ao quadro clínico. Em vez de cardio forte ou musculação pesada, a pessoa pode optar por alongamentos, respiração consciente e descanso ativo, se não houver febre”, orienta Lidiane.
As recomendações dos especialistas encontram respaldo na literatura científica. Uma revisão publicada no British Journal of Sports Medicine, em 2011, mostrou que atividades físicas moderadas podem reduzir em até 43% o risco de infecções respiratórias. No entanto, quando o treino é intenso ou prolongado durante ou logo após uma infecção, o sistema imunológico pode ficar temporariamente deprimido, o que aumenta a suscetibilidade a doenças.
Outro estudo publicado em 2022, de Kaulback et al., analisou 17 estudos com 7.793 atletas e avaliou os efeitos agudos e prolongados de infecções respiratórias (como COVID‑19 e rinovírus) no desempenho esportivo. E concluiu que infecções causam queda transitória na função pulmonar e no desempenho (identificada em quatro estudos), embora a resistência cardiorrespiratória em casos leves não seja significativamente afetada (sete estudos). A recuperação não é imediata: treinos, volume de treino e resultados competitivos podem ser comprometidos mesmo após a recuperação clínica, evidenciando impacto duradouro no rendimento esportivo.
Quando evitar o treino completamente?
De maneira geral, o consenso entre os especialistas é: se houver qualquer sintoma sistêmico, não treine. Isso inclui:
- Febre
- Calafrios
- Dores musculares intensas
- Cansaço extremo
- Tosse persistente
- Dificuldade para respirar
- Diarreia ou vômito
Além disso, ao retornar aos treinos após uma infecção, o ideal é fazer isso de forma progressiva e com atenção aos sinais do corpo. A recomendação médica é esperar ao menos três a cinco dias após o fim dos sintomas antes de voltar aos treinos mais pesados.
Treinar gripado nem sempre é proibido, mas deve ser uma decisão feita com consciência, cuidado e escuta corporal. Sintomas leves e localizados podem permitir a prática de atividades suaves, desde que sem febre e sem sintomas fortes de mal estar. Por outro lado, quadros com sintomas mais intensos pedem repouso total, sob o risco de complicações mais sérias.
“O treino ideal é aquele que respeita o ciclo da saúde. Um ou dois dias a mais de descanso não atrapalham a performance — pelo contrário, podem ser o que vai garantir a segurança e a longevidade nos treinos”, conclui Lidiane.
Fontes:
Lidiane Gomes é Profissional de Educação Física do Hospital Universitário de Brasília- HU-UnB/Ebserh – Mestre em Ciências da Reabilitação CREF 3373 G-DF.
Alexandre Naime Barbosa é chefe do Departamento de Infectologia da Unesp.
Otávio Morais é endocrinologista, atuante em Endocrinologia Esportiva, filiado do Instituto Nutrindo Ideais. Formado pela Universidade Estácio de Sá, com atuação focada na otimização da saúde metabólica, performance física, emagrecimento, reposição hormonal e estilo de vida. Trabalha com protocolos individualizados voltados para longevidade, bem-estar e equilíbrio hormonal.
Fonte: EuAtleta