Um bom sono é importante para a saúde e para manter o ritmo da atividade física. Mas um sono desregulado pode ter um efeito ainda pior do que o simples cansaço. Um novo estudo da Universidade da Austrália do Sul analisou a relação entre a hora que se dorme e o quão fisicamente ativo se é no dia seguinte. A pesquisa foca em pessoas com diabetes do tipo 2 para buscar o impacto disso no controle da doença, mas a conclusão serve para todo mundo: pessoas que dormem mais tarde são menos fisicamente ativas do que as que possuem um horário de sono regular.
Segundo Andrea Bacelar, médica neurologista, médica do sono e presidente da Associação Brasileira do Sono, existem as pessoas que são intermediárias, ou seja, geneticamente marcadas para dormir entre 22h e 23h e despertar entre 6h e 7h. Há ainda os matutinos, que têm preferência por dormir e acordar cedo; os matutinos extremos, que dormem e acordam muito cedo; os vespertinos, que preferem dormir e acordar tarde; e os vespertinos extremos, que dormem em torno das 4h e acordam entre 12h e 13h. Mas o que isso implica na saúde física e na saúde mental?
No estudo publicado no BMJ Open Diabetes Research & Care, os 635 pacientes com diabetes tipo 2 foram solicitados a usar um acelerômetro em seu pulso por sete dias, a fim de medir os diferentes comportamentos físicos: sono, inatividade física, atividade física leve, moderada a vigorosa, gradiente de intensidade e aceleração. Os vespertinos foram considerados o grupo de referência. Eles tiveram um tempo sedentário mais longo (28,7 min/dia) e níveis mais baixos de tempo em vigor em comparação com os matutinos. O perigo é que o sedentarismo ocasionado pelo hábito de dormir e acordar tarde aumenta o risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis.
A pesquisa mostra que os noturnos se exercitam 56% menos do que os madrugadores. Mas também lembra que é possível reverter esse quadro com uma simples mudança na hora em que você vai para a cama.
“Os exercícios desempenham um papel importante para as pessoas com diabetes, ajudando a manter um peso e pressão arterial saudáveis, além de reduzir o risco de doenças cardíacas; todos fatores importantes para melhorar o controle do diabetes. Isso torna extremamente importante o entendimento dos fatores que podem mitigar a propensão de uma pessoa ao exercício”, comenta o estudo.
O indivíduo produz hormônios pelas glândulas do corpo e neurotransmissores pelos gânglios cerebrais, alguns dos quais são produzidos durante a vigília e inibidos durante o sono e vice-versa. Ou seja, independente do horário que a preferência genética escolha dormir, aqueles hormônios e neurotransmissores serão produzidos ou inibidos durante o sono. Em alguns dos casos, o fato de dormir mais cedo e mais tarde não interfere. Mas em outros, sim, já que há hormônios que são produzidos em horários específicos, estando a pessoa acordada ou não.
“A gente tem hormônios que são produzidos e inibidos de maneira circadiana, ou seja, a cada 24h, independentemente de nós estarmos dormindo e acordados. Imagine o cortisol, que é o nosso corticoide endógeno: ele começa a ser produzido por volta de 6h da manhã, tem um pico de ação no meio da manhã, à tarde ele é inibido e à noite ele não é produzido. Ele é um hormônio que aumenta a temperatura do corpo, aumenta a frequência cardíaca, aumenta a pressão arterial e é anabólico, o que ajuda na atividade física. E aquele individuo que está indo dormir mais tarde e só vai acordar no fim da manhã está indo contra a produção de um hormônio que aumenta a energia, aumenta o alerta, enfim, que nos ajuda no momento acordado”, explica a médica.
O cortisol é apenas um exemplo citado pela médica, que reforça que existem outros como ele. Da mesma forma que o indivíduo vespertino está indo contra a corrente dos hormônios que são produzidos na vigília, ele também não se ajusta aos hormônios que são produzidos à noite e que induzem ao sono.
“Outra situação importante que justifica, por exemplo, o vespertino ser mais sedentário é a imposição do horário comercial. Apesar de nós termos 20% da população trabalhando em turno (noturno) e muitas atividades funcionarem 24 horas, a gente tem aquele horário comercial em que as coisas abrem e as coisas fecham. E isso é imposto à sociedade. Então imagine o individuo que desperta 11h, 12h, e só vai dormir 2h, 3h: ele tem um tempo menor de horário comercial das atividades e dos serviços oferecidos para a população. Essa janela é estreitada. E acaba que por isso ele tem menos tempo para realizar essas atividades físicas em locais em que o tempo é limitado para o indivíduo vespertino”, acrescenta.
Além disso, o vespertino tem uma menor exposição à luz solar. E a atividade física mais vigorosa, lembra a neurologista, tende a diminuir em pessoas que ficam mais tempo no escuro do que no claro. O sedentarismo, importante mencionar, aumenta as chances de ganhar peso, hipertensão e diabetes.
Para o neurocirurgião Fernando Gomes, do Hospital das Clínicas, o sono não significa um momento perdido e desperdiçado do dia, como alguns acreditam. Pelo contrário, ele faz parte da fisiologia, já que é no sono que as células são regeneradas. Além do mais, quando se dorme, as memórias das experiências vivenciadas em um dia e a limpeza de neurotoxinas produzidas durante o tempo acordado acontecem no cérebro.
“O ritmo circadiano e o ciclo vigília-sono são ditados pelo hipotálamo (região pertencente ao diencéfalo). Com a vida moderna, o excesso de estímulo das telas, das redes sociais e da vida social agitada, interferimos voluntariamente no padrão fisiológico. E com o fato de dormir em horas avançadas associado à evolução do período necessário para o reestabelecimento do organismo, a vitalidade fica comprometida no dia seguinte”, explica.
É preciso destacar que pessoas com doenças crônicas como diabetes e hipertensão, entre outras, merecem atenção especial para seguir com um estilo de vida mais saudável, dentro do equilíbrio.
“É logico que estamos comentando em relação à regra. Exceções por atividades sociais esporádicas podem ser bem vindas para trazer alegrias para dentro da vida”, pontua o médico.
Fonte: G1.globo.com