Canalização de córregos em Atibaia pode piorar problemas de enchentes

No dia 14 de novembro, foi assinada pelo prefeito de Atibaia, Emil Ono, a ordem de serviço para a canalização do Córrego do Figueira, obra que, de acordo com a Prefeitura, integra o Programa de Desenvolvimento Urbano do Município de Atibaia (PRODEURB) e será realizada com recursos do FONPLATA, com um investimento total de mais de R$ 84 milhões.

A administração municipal afirma que o projeto “reduzirá os riscos de enchentes, mas também contribuirá para a recuperação ambiental das margens e melhoria do sistema de drenagem”. No entanto, de acordo com especialistas, esse modelo de obra é considerado ultrapassado e causa efeitos totalmente contrários aos defendidos pela Prefeitura, piorando problemas de enchentes e aumentando a degradação ambiental da cidade.

Canalização do Córrego do Figueira (Foto: Coletivo Salve Atibaia)

Exemplos podem ser observados na história de grandes capitais, como São Paulo (SP), Belo Horizonte e Rio de Janeiro (RJ), que sofrem as consequências desastrosas de enchentes geradas pela canalização de seus principais cursos d’água e a poluição desses rios.

Segundo o pesquisador, consultor, doutor e pós doutor em geografia, especialista em áreas protegidas e conservadas, Cláudio Maretti, “a canalização de rios é uma solução do século XIX, para favorecer um modelo de urbanismo e transporte do século XX, completamente ultrapassado, inadequado para o século XXI, onde o modelo tem que ser de qualidade de vida, bem estar, saúde, promoção da adequação à natureza e, sobretudo, adequação às mudanças climáticas”.

Árvores derrubadas em obra de canalização do Córrego do Figueira (Foto: Coletivo Salve Atibaia)

As cidades e os rios

No Brasil, a história da maioria das cidades está diretamente ligada à existência de córregos e rios. Isso porque, os cursos de água eram os locais escolhidos, primeiramente pelos povos nativos e, posteriormente, pelos colonizadores, para o assentamento de povoados. Além de fornecerem alimento e água para plantas e animais, os rios contribuíam para facilitar o transporte, comércio e escoamento das produções. Em Atibaia, não foi diferente. Tanto que a cidade recebeu o nome de um dos principais rios da região e que, segundo tupinólogos, pode ter vários significados, como “rio da feitoria”, “rio alagado”, “água saudável”, “trançada”, “revolta” ou “confusa”.

Escoamento de esgoto

Com a urbanização das cidades e o aumento na circulação de automóveis, os rios foram perdendo seu protagonismo. A canalização e o aterramento de áreas de várzea permitiram a abertura de espaços para a construção de ruas e avenidas. Além disso, o acúmulo do lixo que era despejado nos rios, que foram se tornando cada vez mais poluídos, se tornou outro problema a ser resolvido. Assim, as mesmas fontes de água que, no passado, forneceram as riquezas para a construção das cidades, transformaram-se em canais confinados em concreto, cuja única função se restringiu ao escoamento rápido do esgoto.

(Foto: Reprodução /Documentário Entre Rios)

Outro fator a ser levado em consideração é que, com o aumento da população, gera-se a especulação imobiliária, fazendo com que influentes grupos econômicos pressionem pela linearização dos terrenos de cursos d’água, que deixam de ser área de preservação para se tornarem áreas de construção, com asfalto e concreto provocando a impermeabilização do solo e aumentando o risco de enchentes.

Solução do século XIX para problemas do século XXI

“A canalização de rios é um nome mais genérico de uma proposta urbanística, de uma metodologia, de uma tecnologia e um conjunto de tecnologias que foi muito praticada, sobretudo, no século XX, mas que começa no século XIX. Ela tem carregada uma visão de que as soluções artificiais corrigem a natureza e permitem uma ocupação, uma vida humana mais adequada. Hoje em dia, nós entendemos que isso é ultrapassado. A canalização, normalmente, compreende possibilidades como a retificação de rios, cavando e depositando no chamado ‘leito maior do rio’. A retificação permite, equivocadamente, a liberação de áreas para aterrar e ocupar. Outro elemento importante na canalização é a concretação ou pavimentação, ou transformar as margens, as encostas internas, os barrancos do rio, em áreas artificiais. Essas duas opções fazem com que haja um escoamento mais rápido das águas e isso, muitas vezes, é feito para tentar combater enchentes de forma equivocada, porque há uma crescente impermeabilização das áreas urbanas ao longo do século XX, desde o final do século XIX, em algumas cidades”, explica Cláudio Maretti.

Enchentes

Ainda segundo Maretti, “Todas essas propostas visavam essa questão de aumentar a área de ocupação, gerando ocupação em áreas de enchente, tentando eliminar o problema de forma equivocada, gerando a transferência de áreas de enchentes para ‘rio abaixo’, e favorecendo a urbanização, a construção e, sobretudo, avenidas de ‘fundo de vale’, que escondem o rio e que favorecem demasiadamente o transporte individual de automóveis. O que ocorre, é que essas áreas, o que nós temos visto, em muitas situações, em muitas cidades, Belo Horizonte tem casos clássicos, São Paulo e aqui em Atibaia, também, quando as chuvas são mais intensas, elas acabam inundadas da mesma forma. Seja no local da retificação, seja um pouco rio abaixo. E gera prejuízo às ocupações e ao modelo de transporte que acaba ficando dependente dessas soluções. Então, é uma solução antiquada, que hoje em dia gera mais problemas do que resultados positivos”.

(Foto: Reprodução /Documentário Entre Rios)

Meio ambiente

Outra preocupação dos especialistas é com relação aos danos ambientais causados durante o processo desse tipo de obra, já que áreas extensas de vegetação são suprimidas para a realização delas. “Tem também a questão da vegetação. Todos os dias sai pelo menos um artigo científico, às vezes vários, mostrando a importância da natureza para a qualidade de vida. E uma das coisas que essa canalização faz e que já está acontecendo aí no Córrego Figueira, em Atibaia, é eliminar a vegetação, que normalmente ocorre ao longo dos cursos d’água. Mais um dano e mais uma visão ultrapassada para uma solução inadequada para o século XXI”, afirma Maretti.

Soluções

Segundo o especialista, a solução está na preservação dessas áreas e na incorporação delas ao dia a dia e bem estar da população. “As alternativas são justamente respeitar que os rios têm um formato, nem sempre retilíneo, e que eles têm um ‘leito menor’ e um ‘leito maior’. E aí, promover soluções urbanísticas que permitam um tipo de ocupação que, nas cheias, nas chuvas maiores, eventualmente, possam ser inundadas, sem gerar tantos danos à saúde, ao conforto e à economia das cidades, especialmente dessas áreas. Essas soluções são, por exemplo, os parques lineares que ocupam os fundos de vales com áreas verdes e alguns equipamentos de lazer, de ciclovias, de corrida, de caminhada e até algumas quadras. Obviamente, se houver uma cheia muito significativa, essas áreas podem ser danificadas, mas nada se compara ao dano de inundação de casas, prédios, lojas e outros equipamentos comerciais. Então, em vez de ser contra a natureza, hoje, nós temos que entender que as mudanças climáticas já chegaram e que é fundamental respeitar a forma como a natureza evolui, que os rios não são retilíneos e que o entorno dos rios, os chamados ‘leito maior dos rios’, são áreas de inundação na época das cheias”.

Parques Lineares (Imagem: Instituto de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo)

“Esse modelo é o modelo adequado ao século XXI, é o verdadeiro conceito das soluções baseadas na natureza, recomendadas pelas instituições multilaterais internacionais, inclusive, bancos de financiamento. Estou surpreso que ainda existam agências de financiamento como essa, viabilizada pelo contrato com Atibaia, que ainda financiem essas soluções”, finaliza Maretti.

Árvores derrubadas em obra de canalização do Córrego do Figueira (Foto: Coletivo Salve Atibaia)

O que diz a Prefeitura de Atibaia

Contrariando os especialistas, a Prefeitura de Atibaia afirma que “a obra de canalização do Córrego do Figueira abrange 2.500 metros lineares de canalização e o tratamento de três lagos, que hoje funcionam como reservatórios de água e serão transformados em bacias de amortecimento”. Ainda segundo a administração municipal, “a obra é uma resposta aos desafios enfrentados pela população, especialmente na região da Joviano Alvim, que poderia enfrentar sérios problemas de alagamentos nos próximos anos caso a intervenção não fosse realizada. Além disso, o projeto tem uma importância estratégica: os córregos Figueira e Itapetinga convergem para formar o Córrego do Piqueri, área frequentemente impactada por enchentes. O tratamento dos lagos e canais não apenas reduzirá os riscos de enchentes, mas também contribuirá para a recuperação ambiental das margens e melhoria do sistema de drenagem”.

Fonte: Atibaia.com.br