Os efeitos colaterais do afastamento social não afetam só os humanos. Assim como as pessoas, animais de estimação, como os cães, também podem sentir os impactos do confinamento devido ao novo coronavírus, apresentando desde comportamentos erráticos até o possível desenvolvimento de ansiedade de separação. Eles também estão sujeitos a arcar com as consequências psicológicas que podem surgir durante a quarentena, ou a partir do relaxamento das medidas de isolamento social.
Segundo estudo divulgado pela Universidade de Helsinque, na Finlândia, em fevereiro desse ano, antes de a Organização Mundial da Saúde declarar o status de pandemia, 72,5% dos cães, de 264 raças analisadas, apresentaram comportamentos relacionados à ansiedade. Agora, pela expectativa dos donos, esse percentual tende a se agravar ao longo do ano.
Para a veterinária Lindamar Ortiz, a volta da normalidade poderá parecer confusa para os pets. “Eles precisam de rotina, e assim como tiveram de se adaptar à presença dos donos em casa 24 horas por dia, também será confuso voltarem à situação anterior. É provável que seja ainda mais difícil, porque eles ficarão mais sozinhos. Isso pode levar à tristeza e à ansiedade”, explica.
A técnica de enfermagem Luciana Menezes é tutora de dois cães da raça Yorkshire – Mel, de 6 anos, e Dom, de 3. Com o retorno da rotina normal, ela teme que a fêmea volte a ter problemas dermatológicos provocados pela ansiedade que já vinha apresentando mesmo antes da pandemia. “A Mel vai sentir muito. Estou em home office, passando muito tempo com eles, e ela está muito grudada. Onde eu vou, ela vem atrás. Uma sombra”.
Luciana acredita que a cachorra terá uma “crise feia”. “Já estou até preparada psicologicamente para isso”. Ela prevê que o corpo de Mel vai se encher de feridas, como acontecia antes. Já para o macho, a expectativa é a de que ele se adapte mais rápido, “sem grandes problemas”, enfatiza.
A ansiedade de separação, condição apresentada por Mel, é definida pela Sociedade Americana de Prevenção da Crueldade Contra Animais (ASPCA, na sigla em inglês) como uma condição de pânico, em que cachorros se tornam destrutivos, quando deixados sozinhos. Os cães podem urinar, defecar, uivar, mastigar, cavar ou tentar escapar de maneiras repetitivas.
Há anos, Mel apresenta dificuldade para ficar sozinha em casa. Segundo Luciana Menezes, a cachorra late de modo “escandaloso” e apresenta respiração ofegante. Após uma experiência na qual deixou Mel por mais tempo sozinha, a Yorkshire apresentou feridas na pele e diarreia.
Luciana conta que o episódio mais grave foi há cerca de um ano, quando a cachorra teve feridas parecidas com impinge (dermatofitose), que acabaram evoluindo para infecção por fungos. Mel já faz acompanhamento com veterinário há três anos e a dona conta que apenas recentemente conseguiu estabilizar as crises com um shampoo específico. Antes, havia feito uso de medicações de alto custo, com pomadas e até florais. Mesmo assim, o comportamento da cachorra após a pandemia ainda é incerto.
Além de tudo isso, a pequena Mel também apresenta dificuldades em se desvincular do ex-marido de Luciana. Em plena pandemia, ele tem de fazer visitas todos os dias para que não surjam novos episódios. Luciana acredita que o que acarretou os problemas de estresse de Mel foi o fato de os dois não morarem mais juntos. “Eu e ele temos uma boa sintonia. Nós conversamos, e ele vem todos os dias ver a Mel”.
Quando, por motivo de trabalho, o dono precisa viajar e fica mais de três dias fora, a Yorkshire começa a sentir falta. “Vai na porta, fica latindo, cheirando, justamente no horário que ele vem visitar. Quando passa uns quatro dias, ela entra em crise. As feridas surgem e ela fica se coçando”, explica Luciana.
A estudante universitária Ingridi Berndt conta que o isolamento social também afetou negativamente a rotina de seu cachorro Bernardo, um shitzu de 4 anos. Ela conta que, antes das medidas contra o coronavírus, se dividia entre sua casa e a da avó, que tem Alzheimer e precisa de alguém para auxiliar em atividades diárias. Com a pandemia, a estudante passou, então, a ficar só na casa da avó para evitar uma possível transmissão do vírus. “Antes, eu ficava por lá no período da noite, e voltava de dia para casa, quando levava o Bernardo para passear”.
O cachorro passou a esperar por Ingridi todos os dias na porta de entrada, mesmo ela nunca aparecendo. “Minha mãe percebeu que ele sentia muito a minha falta. Não comia direito e não passeava, porque era eu quem levava. Foi quando ele passou a ficar comigo. Como eu moro em apartamento, e a minha avó em casa, ele sentiu muita diferença, já que agora tem espaço para brincar”.
A estudante acredita que a readaptação do animal à rotina anterior, no fim da quarentena, será complicada. Segundo Ingridi, ele desenvolve feridas na pele quando sofre mudanças bruscas. “Aqui tem muito espaço para correr, e o meu apartamento é pequeno. Por mais que ele saia para passear, não é a mesma coisa. Já estou me preparando para comprar as pomadas necessárias para o tratamento das feridas que vão surgir. Uma vez ele chegou a usar floral, porque andava extremamente ansioso”, afirma.
A veterinária Lindamar Ortiz explica que, para amenizar os impactos psicológicos depois da quarentena, os donos precisam estabelecer um retorno gradual à rotina. Isso ajudará os pets a se readaptarem. Durante o isolamento, também é necessário que medidas sejam tomadas para que a situação dos animais não se agrave. “É importante que o pet seja independente, tenha sua cama, seus brinquedos e mantenha hábitos saudáveis”. Ela aconselha a manutenção de atividades nas quais os animais possam se distrair sem o dono.
Fonte: G1.globo.com