Durante a pandemia, os ultraprocessados estão mais presentes na dieta dos brasileiros, conforme aponta pesquisa do Datafolha. Encomendado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o estudo incluiu pessoas entre 18 e 55 anos de todas as classes econômicas e regiões do País. O consumo desses produtos, em geral ricos em gorduras, sódio e aditivos como conservantes e aromatizantes, aumentou de 9%, em outubro de 2019, para 16%, em junho deste ano, na faixa etária de 45 a 55 anos, por exemplo. Salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados foram os produtos campeões de consumo, seguidos por margarina, maionese, ketchup ou outros molhos industrializados. No Sudeste, 36% dos participantes do estudo relataram consumir sucos de fruta em caixa, caixinha ou lata ou refrescos em pó, contra os 30% do ano anterior. Já quando considerada a escolaridade, entre pessoas que estudaram até o ensino fundamental, o consumo de salsicha, linguiça, mortadela, presunto e outro alimento embutido passou de 24% em 2019 para 33% em 2020. Números preocupantes, levando-se em conta que os ultraprocessados podem gerar vários prejuízos à saúde.
Além disso, o quarto volume da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, divulgado no último dia 18 de novembro, traz dados sobre saúde e estilo de vida dos brasileiros em 2019. Esse levantamento também expõe um aumento do consumo de ultraprocessados entre a população com 18 anos ou mais. Conforme a PNS, 14,3% das pessoas consumiram cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados. Quando considerada a área em que vivem, residentes de cidades consomem duas vezes mais esses produtos do que moradores do campo: entre habitantes das zonas urbanas e rural, esses percentuais foram de 15,4% e 7,4%, respectivamente.
Para analisar os resultados da pesquisa encomendada pelo Idec e que observou o consumo de ultraprocessados na pandemia, o EU Atleta conversou com a médica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (Sbem-SP) Maria Edna de Melo e a nutricionista mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Natalia Barros. Elas lembram que esses produtos favorecem o ganho de peso e o desenvolvimento de diversas doenças crônicas, incluindo obesidade e doenças cardiovasculares, que são fatores de risco de agravo da Covid-19. Sem contar que têm pouco em valor nutricional. Considerando, portanto, que não dá para descuidar da alimentação durante a pandemia, médica e nutricionista dão dicas para evitar recorrer a esses alimentos industrializados, produzidos com o objetivo de agradar o paladar. Ao abrir uma caixa de chocolate ou um pacote de salgadinhos, o indivíduo não come um apenas, mas vários, e se enchendo de açúcar, sal, gordura, calorias e aditivos.
“Os ultraprocessados são feitos para a gente comer muito. São produtos de fácil consumo, que estão prontos para serem consumidos ou só colocar no micro-ondas. Com mais açúcar, gordura, sal e mais calorias, a pessoa vai ganhar peso, que é a mãe de todas de todas as outras doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, inclusive”, pondera a médica endocrinologista Maria Edna de Melo, emendando que mesmo indivíduos em seu peso ideal devem evitar os ultraprocessados.
Para a nutricionista Natalia Barros, o aumento do consumo desses produtos inspira preocupação. Com aprimoramento em nutrição humana e metabolismo pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, ela completa que esses alimentos tratam-se de opções muito energéticas e que, além de reduzidas em fibras, contêm menos potássio, magnésio e vitaminas, quando comparadas aos alimentos in natura. Além disso, como já se conhece os impactos dos ultraprocessados para a saúde de maneira geral, amplamente demonstrados por estudos que associam o seu consumo ao maior risco de obesidade, doenças crônicas, síndrome do intestino irritável e até depressão, além de aumento de mortalidade, Barros recomenda sempre avaliar o grau de processamento dos alimentos ao escolher o que consumir.
“No contexto da pandemia há algumas hipóteses para esse aumento, como a economia, já que são produtos mais baratos, o isolamento social e o fato de que as pessoas passaram a ir a mercado com menos frequência, reduzindo o acesso aos alimentos perecíveis e comprando mais industrializados. Mas o consumo dos ultraprocessados é um risco para toda a população. Quanto menos processado, melhor”, completa a nutricionista.
Melo reforça que os ultraprocessados podem ter impactos para a saúde de qualquer indivíduo, independente da idade. Contudo, considerando que a pesquisa indica que houve um aumento da inclusão desses itens no dia a dia de adultos entre 45 e 55 anos, a endocrinologista faz um alerta para quem está nessa faixa etária.
“Entre 45 e 55 anos, a pessoa já terá mais dificuldade para manter o peso. Nessa faixa etária, também já se tem mais comorbidades. É um período em que as doenças tendem a se manifestar e é possível até que a pessoa tenha um agravamento dessas condições. Na pandemia, teve gente que ficou em casa, conseguiu controlar melhor o que come e manteve ou até perdeu peso. Mas teve muita gente que baixou a guarda, não cuidou da alimentação e, com isso, ganhou peso. O consumo exagerado de tudo é prejudicial. Mas as características dos ultraprocessados de serem altamente palatáveis e, na maioria das vezes, desbalanceada estimula o hiperconsumo, que implica em aumento de peso”, detalha Melo.
Principais vilões
Com o apoio da endocrinologista e da nutricionista, listamos os ultraprocessados que, conforme a pesquisa do Datafolha, tiveram seu consumo aumentado na pandemia, com exceção dos molhos industrializados, cuja composição varia de acordo com o tipo. E evidenciamos quais são os principais componentes que tornam esses produtos prejudiciais à saúde. Vale pontuar que todos contam com aditivos que sequer são considerados alimentos, como corantes, estabilizantes e conservantes, e que, dependendo da marca, os ingredientes e suas concentrações podem variar. Contudo, de uma forma geral, os componentes que mais causam malefícios à saúde são indicados a seguir.
Salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados: esses produtos são ricos em sal, gordura, na maioria dos casos saturada, e aditivos;
Margarina e maionese: apresentam grande quantidade gordura, sal e aditivos;
Ketchup: é rico sal e aditivos, como corantes e conservantes. Também apresenta açúcar na composição;
Sucos de fruta em caixa, caixinha ou lata ou refrescos em pó: contam com muito açúcar e aditivos na composição. Dependendo o produto e marca, também podem apresentar sódio entre os ingredientes;
Salsicha, linguiça, mortadela, presunto e embutidos em geral: contém grandes quantidades de gordura e sal. O presunto, por exemplo, também é rico em nitrito, aditivo usado como conservante e fixador de cor.
8 dicas para fugir aos ultraprocessados
Em muitos casos de ansiedade e estresse, conforme observa a nutricionista, há quem procure conforto na comida, o chamado comer emocional. A pessoa não está com fome, mas busca o alimento na tentativa de lidar com suas emoções. Para Barros, essa é uma das hipóteses para o aumento do consumo dos ultraprocessados na pandemia, que exigiu mudanças significativas na vida dos indivíduos, dada a necessidade de manter o distanciamento social. Entretanto, considerando seus impactos para a saúde, é preciso garantir essa que não seja a base da alimentação.
“Nesse momento, é preciso evitar ainda mais os ultraprocessados. Sabemos que as doenças crônicas são fator de risco da Covid-19. Precisamos cuidar da nossa saúde ainda mais na pandemia. Os ultraprocessados são pouco nutritivos, perderam seu caráter original e são ricos em aditivos, energia densa, amidos refinados e bastante sal, para conservá-los. É preciso ter atenção maior para não cair nesses alimentos. Sempre olhe a lista de ingredientes. Aquele que aparecer primeiro está presente em maior quantidade”, sugere Barros.
Para evidenciar a importância de reduzir o consumo de industrializados ultraprocessados, a endocrinologista compara o nosso corpo a uma máquina. Assim como um carro precisa de um combustível adequado para rodar bem e seu motor funcionar em toda a sua capacidade, nosso organismo também. Por isso, para que seja possível evitar os ultraprocessados na pandemia, Melo diz que a palavra de ordem é planejamento.
“A gente planeja tudo, o que vai fazer no trabalho, o caminho para chegarmos aonde vamos. Na alimentação, devemos ter a mesma estratégia. Temos que planejar os alimentos que comeremos durante a semana, deixar tudo lavado, o que já precisamos fazer ao voltar das compras, e à mão. É importante se planejar para ter uma alimentação mais saudável nessa fase [de Covid-19], que não sabemos quanto tempo vai durar”, orienta a médica.
Para ajudar você a evitar os ultraprocessados, o EU Atleta, com o apoio das especialistas consultadas, preparou algumas dicas que serão úteis na pandemia e mesmo após esse momento passar e que seguem a máxima que diz: “descasque mais, desembale menos”.
Planeje-se. Programe como serão as refeições e também o que precisará comprar para prepará-las antes de ir ao mercado. Pense ainda no que não entrará no carrinho de compras. É o caso dos ultraprocessados. Evite ter esses produtos em casa, pois são concorrentes às opções mais saudáveis na hora em que bate a fome ou aquela vontade de comer algo gostoso;
Não aposte nos embutidos como uma opção às carnes vermelhas. Se a carne estiver cara, recorra a outras proteínas, como frango, ovo ou peixe. Estudos associam o consumo dos embutidos ao risco de câncer;
Ao voltar das compras, lave todos os vegetais. Não se esqueça das frutas. Deixá-las já higienizadas facilita na hora de comê-las. Vale destacar que a pesquisa do Datafolha também aponta que o consumo de frutas diminuiu durante a pandemia. Em municípios do interior e na região Nordeste, o consumo de pelo menos uma fruta reduziu de 68% para 62% e de 72% para 64%, respectivamente. No entanto, tratam-se de alimentos ricos em micronutrientes e fibras, que são essenciais para o funcionamento do organismo e para ter boa saúde;
Procure deixar molhos caseiros para saladas, mistura de temperos e até os alimentos de que mais gosta prontos ou semiprontos. Assim, na hora de preparar as refeições será bem mais prático;
Destine um dia da semana para cozinhar. Se esse não é o seu forte, procure receitas na internet. Há muitas opções práticas de fazer. É possível até se aventurar em um curso online. Essa pode ser uma nova atividade inclusive para quem está mais ansioso pelo contexto atual. Assim como meditar e praticar exercícios físicos são boas opções para aliviar o estresse, cozinhar também pode ser uma alternativa para equilibrar as emoções;
Faça do freezer um amigo, deixando as comidas prontas ou pré-prontas. No dia em que cozinhar, por exemplo, separe porções dos alimentos preparados, como carnes e leguminosas, em potes, leve-os ao congelador e descongele-os conforme precisar preparar as refeições ao longo da semana. Recorra ao freezer ainda para armazenar alimentos perecíveis, como tubérculos e frutas. No caso das frutas, ao manter porções congeladas, dá para recorrer a elas e preparar um suco ou um sorvete saudável;
Nos lanches entre refeições, prefira alimentos in natura. Em vez de biscoitos de pacote e salgadinhos, por exemplo, opte por frutas, milho verde na espiga, castanhas e palitinhos de legumes. Dá até para preparar uma salada de frutas e pão de queijo caseiro;
Se bater fome fora de hora ou logo após uma refeição, beba um copo de água. Muitas vezes essa sensação se confunde com sede. Não se esqueça da hidratação ao longo do dia. Deixe uma garrafinha de água à mão na sua estação de trabalho, inclusive se estiver trabalhando no modelo de home office.
Fonte: G1.globo.com