Desde a estreia da quarta temporada da série The Crown, na Netflix, as infelicidades da vida da princesa Diana estão sob os holofotes. Entre elas, seu sofrimento com a bulimia nervosa, transtorno alimentar caracterizado por episódios do comer compulsivo seguidos de métodos compensatórios inadequados para evitar o ganho de peso, como induzir o vômito. Nos episódios centrados na princesa, que conquistou o mundo inteiro, menos seu então marido, o príncipe Charles, da Inglaterra, e morreu em 1997 em um acidente de carro, há sempre um aviso antes do início: “Este episódio contém cenas de um distúrbio alimentar, que podem ser gatilho emocional”. Lady Di aparece, por exemplo, “assaltando” a geladeira de madrugada e vomitando em seguida no banheiro. Mas como surge a bulimia? O que é essa doença, quais os seus transtornos, causas, sintomas e tratamento? E é a mesma coisa que a anorexia?
“A bulimia tem início, normalmente, no final da adolescência. A principal característica desse distúrbio é a ingestão rápida de maneiras compulsiva e descontrolada de grandes quantidades de comida, geralmente de alimentos hipercalóricos e gordurosos, e como consequência métodos purgativos através da indução ao vômito, uso de laxantes e diuréticos, passando por períodos não-purgativos como os jejuns, prática exagerada de exercícios físicos e inanição por medo de engordar”, explicou a nutricionista clínica Tassiana Rozon.
A psicóloga Vanessa Tomasini, com mais de 18 anos de experiência em consultório com pacientes com “obesidade e comer transtornado”, explica que todos os transtornos alimentares são multifatoriais. Entre os perfis mais atingidos pela bulimia estão pacientes do sexo feminino (proporção de duas a três mulheres para cada homem), adolescentes e jovens adultos, como atletas, modelos, bailarinas, estudantes de medicina, nutrição e psicologia, e histórico familiar de ansiedade, depressão ou dependência química.
Segundo dados do AMBULIM, Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, aproximadamente 4,2% das mulheres brasileiras poderão ter bulimia em algum momento da vida, sem idade específica para o seu surgimento, pois as mulheres recebem uma maior pressão para manter os padrões de beleza do que os homens.
Características psicológicas:
- Baixa auto estima,
- Dificuldades em expressar emoções,
- Impulsividade.
“Além disso, estão também entre os fatores a supervalorização da magreza, sintomas depressivos ou ansiosos, abuso de substâncias químicas, obesidade na infância, abuso físico ou sexual na infância”, acrescentou a psicóloga.
A endocrinologista e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Flávia Lopes Macedo, lembrou que os atletas também estão entre os pacientes que mais adquirem a doença, justamente por apresentarem essa característica de preocupação com o corpo. Especialmente no caso de atletas de esportes como ginástica artística, ginástica rítmica e patinação, esportes praticados por muitas meninas jovens e onde peso e imagem têm grande importância.
“Pessoas que têm preocupação maior com a forma física têm que estar mais atenta aos transtornos alimentares”, alertou.
Causas
Por ser um transtorno com classificação de doença psicológica, não há apenas uma causa para o seu desenvolvimento, a nutricionista Tassiana destacou os seguintes fatores:
- Genético: ainda não há comprovações científicas, mas quando o indivíduo tem parentes de primeiro grau que sofra de algum transtorno alimentar, ele é mais suscetível a desenvolver o mesmo transtorno;
- Baixa autoestima ou transtornos psicológicos: são os fatores mais preponderantes para desenvolvimento da doença e gatilhos como estresse, dietas restritivas, tédio ou falta de autoconfiança podem contribuir para o surgimento;
- Mídia e pressão social: como citado anteriormente, o padrão de beleza estipulado pelas revistas, celebridades e programas televisivos provocam uma grande pressão e ocasionando a obsessão pela magreza para ter sucesso e popularidade na sociedade.
Os indivíduos com bulimia são ainda excessivamente afetados pelo peso e forma corporal. Dentre os métodos compensatórios estão:
- Vômito autoinduzido;
- Abuso de laxantes, diuréticos e outros medicamentos (como hormônios tireoideanos e anorexígenos);
- Jejum, dietas rigorosas ou períodos de restrição alimentar;
- Exercícios físicos excessivos.
“Diferentemente da anorexia, a bulimia não é um quadro com características “visíveis aos olhos”, pois os pacientes têm invariavelmente peso normal ou até sobrepeso e as alterações físicas são, pelo menos no início, sutis e observáveis apenas por profissionais”, explicou a psicóloga Vanessa.
É importante ressaltar, entretanto, que a bulimia e a anorexia não coexistem. Na anorexia nervosa existe uma perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporais; excessiva influência do peso ou forma corporais na maneira de se autoavaliar; negação da gravidade do baixo peso, etc. Vanessa explica que o medo de tornar-se obeso leva a comportamentos com a finalidade de perder peso, como exercícios vigorosos, abuso de laxantes e diuréticos e vômitos auto induzidos em 40% dos casos (subtipo purgativo da AN) – os que não tem estes comportamentos são do subtipo restritivo. Mas isso não significa, segundo a psicóloga, que é possível diagnosticar um indivíduo com as duas doenças.
Sintomas da bulimia
- Hipertrofia bilateral das glândulas salivares, particularmente das parótidas;
- Lesão de pele no dorso da mão, conhecida como “sinal de Russell”, causada pela introdução da mão na boca para estimular o reflexo do vômito, que pode variar de calosidade à ulceração
- Desgaste dentário provocado pelo suco gástrico dos vômitos, que leva à descalcificação dos dentes e aumenta o desenvolvimento de cáries, podendo levar até a perda de dentes;
- Edema generalizado;
- Queda de cabelo;
- Equimoses na face e pescoço;
- Descamação da pele;
- Alterações menstruais;
- Hipotermia;
- Gengivite;
- Fraqueza muscular;
- Cãibras;
- Arritmias cardíacas;
- Poliúria;
- Desidratação;
- Carência de vitaminas e minerais;
E, em casos mais graves:
- Falência cardíaca
- Nefropatia
- Dilatação gástrica
- Herniações no esôfago
- Constipação crônica
- Perfurações gástricas
Tais alterações são causadas por jejum e pelos métodos purgativos.
“Estas alterações clínicas têm regressão rápida quando a doença é efetivamente tratada. A maior parte das pessoas com Bulimia parece saudável, mas pode sofrer de sequelas de desnutrição”, destacou a psicóloga.
Bulimia nervosa pode causar as seguintes complicações:
- Hipoglicemia e hipercolesterolemia aparecem na tentativa de o organismo poupar energia e equilibrar depósitos corporais;
- Irregularidade menstrual;
- Arritmia cardíaca;
- Lesões no trato digestório;
- Distúrbios vocais;
- Anemia;
- Cálculos renais.
Tratamento
A bulimia é tratável, e esse tratamento é realizado por equipe multidisciplinar: psiquiatra, psicólogo e nutricionista especializados em Transtornos Alimentares, de forma que o paciente seja conscientizado da importância de aceitar a sua imagem corporal, trabalhar a autoconfiança e autoestima, fazer uma reeducação alimentar e praticar a atividade física de maneira prazerosa, sem ser um meio de punição pelo deslize que teve na dieta. A endocrinologista Flávia ressalta que o tratamento é cognitivo comportamental.
“O paciente deve fazer um acompanhamento psiquiátrico regular, ele pode ser auxiliado com uso de medicação, mas a base é a terapia”, destacou.
Anorexia x Bulimia
A nutricionista Tassiana explica que tanto a bulimia como a anorexia são transtornos ligados ao medo de engordar e atingem, principalmente, as mulheres. A anorexia é mais recorrente em garotas de 12 a 18 anos, enquanto a bulimia é mais comum entre os 16 e 25 anos. Pesquisas recentes apontam que a preocupação com o corpo também atinge os homens – quase 10% do total de casos são do sexo masculino, seguindo a mesma faixa etária feminina.
A psicóloga Vanessa enumerou uma série de diferenças entre os dois transtornos:
Na anorexia (AN) a perda de peso é rápida e grave. Na bulimia nervosa (BN) a perda de peso não é tao grave, ocorrem oscilações de peso. O Imc na AN é muito abaixo do mínimo estabelecido como saudável. Na BN o peso é normal, acima do normal ou pouco abaixo do normal.
Na AN a restrição alimentar gera a sensação de dever cumprido. Na BN o comer é motivo de vergonha, culpa e fracasso.
Na AN os pacientes referem não sentir fome. Na BN os pacientes relatam sentir fome e de forma exagerada.
Na AN há uma distorção de imagem corporal grave. Na BN a distorção de imagem pode ser ausente ou menos intensa.
Na AN a idade de inicio é por volta dos 16 anos; na BN aos 20 anos.
Na AN, as pacientes não menstruam; na BN, menstruam ou têm ciclos irregulares.
Na AN podemos ter comorbidades como: ansiedade, depressão e TOC (transtorno obsessivo compulsivo); na BN, é mais variável entre ansiedade, depressão, TAB (transtorno afetivo bipolar), abuso de álcool e drogas.
Outros dois distúrbios são:
Ortorexia: é um transtorno alimentar no qual a pessoa tem compulsão por consumir alimentos saudáveis e busca constantemente pela dieta perfeita.
Vigorexia: também conhecido como bigorexia ou transtorno dismórfico muscular, é caracterizada pela insatisfação constante com o corpo, que afeta principalmente os homens, levando-os à prática exaustiva de exercícios físicos
Fonte: Eu Atleta