Falta de tempo, rotina desgastante, preços mais baixos e praticidade na cozinha são alguns dos motivos citados na hora de explicar o consumo dos alimentos ultraprocessados. Aqui no Brasil, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou neste ano de 2020 dados sobre os hábitos alimentares brasileiros e a situação, com estatísticas coletadas em 2017 e 2018, pela POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), apontando que os alimentos ultraprocessados avançaram 56% nos últimos 15 anos na mesa do brasileiro; por outro lado, alimentos como feijão e arroz caíram 41% (de 44 kg de arroz e feijão por pessoa em 2013 para 25,6 kg em 2018). Hora de acender o sinal vermelho. Afinal, estudos apontam que o consumo desses alimentos leva não somente a quadros de doenças cardiovasculares, como também estaria ligado à ingestão de mais calorias de modo mais rápido, o que pode levar ou agravar casos de obesidade. Segundo uma pesquisa de 2019 do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, os participantes consumiram calorias 50% mais rápido quando comiam alimentos ultraprocessados, pois esses alimentos, que passam por processamento, são geralmente mais macios, fáceis de mastigar e contêm mais calorias por volume de comida, ou seja, maior “densidade energética”.
Com tantos malefícios para a saúde, o que explica o aumento do consumo de ultraprocessados? De acordo com a nutricionista Luna Azevedo, é fácil entender porque os alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários processados nos domicílios perderam espaço para a comida processada e, sobretudo, a ultraprocessada: esse tipo de alimento recebe vários aditivos, ou seja, substâncias “não naturais” que são adicionadas com objetivo de aumentar a durabilidade e realçar o sabor, motivo pelo qual são extremamente viciantes, além de práticos.
“Os alimentos ultraprocessados são formulados para que sejam extremamente saborosos, com a adição de açúcares, gorduras, sal e vários aditivos, muitas vezes para induzir hábito ou mesmo para criar dependência. A publicidade desses produtos comumente chama a atenção para o fato de que eles são “irresistíveis””, afirma a nutricionista.
Exemplos de ultraprocessados
A lista de ultraprocessados é imensa e abarca desde carnes processadas, como salsicha e hambúrgueres, até aperitivos do dia a dia, como salgadinhos de pacote, bolachas e biscoitos recheados, sorvetes e outras guloseimas. De acordo com nutrólogo Higor Vieira, em comum, os alimentos ultraprocessados compartilham o fato de terem passado por maior processamento industrial, no qual são adicionados outros ingredientes, como conservantes, edulcorantes ou intensificadores de cor, além de aspectos microbiológicos, que ajudam a preservar a segurança alimentar do produto, e neurológicos, que afetam a grelina, conhecida como o “hormônio da fome”.
“Eles apresentam uma segurança microbiológica, ou seja, são alimentos que têm um controle sobre contaminação e qualquer problema relacionado a microrganismos. Além disso, possuem durabilidade e, como já vêm prontos na maioria dos casos, não apresentam necessidades de grandes esforços culinários, sendo vendidos em grandes porções e a baixo custo. No entanto, para além dessas questões de praticidade, eles apresentam uma repercussão metabólica que interrompe a sinalização entre o intestino e o cérebro na regulação do apetite; ou seja, eles inibem o processo de controle do apetite, tornando-se alimentos viciantes”, conta Higor Vieira.
Confira lista com alguns exemplos de “ultraprocessados” mais conhecidos (e consumidos) feita pelo nutrólogo Roberto Teixeira:
- Carne processada, como salsicha, bacon, hambúrgueres, nuggets de frango;
- Refeições prontas, como lasanha e pizza;
- Bebidas açucaradas, como sucos em pó e de caixa, além de refrigerantes;
- Salgadinhos de pacote;
- Batata frita pronta;
- Chocolate;
- Pão produzido em larga escala, como o de forma ou sovado;
- Sopas instantâneas;
- Barras de cereal ou cereal matinal;
- Macarrão instantâneo e seu tempero;
- Shakes para substituir refeições.
O que diz a ciência?
As pesquisas em relação ao tema crescem proporcionalmente ao consumo desses alimentos, assim como os alertas por parte dos pesquisadores. O estudo conduzido pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, indicou que o consumo de comidas ultraprocessadas estaria ligado ao ganho de peso e à ingestão de mais calorias em menor tempo. Na pesquisa do NIH, 20 jovens adultos saudáveis (10 homens e 10 mulheres) concordaram em realizar testes em uma clínica durante 28 dias. Essas pessoas foram aleatoriamente divididas em dois grupos, sendo que um recebeu uma dieta ultraprocessada e o outro, uma dieta com alimentos naturais, frescos e sem ultraprocessados. Após essas semanas iniciais, a dieta era trocada de um grupo para outro, fazendo com que todos os voluntários passassem pelo menos 14 dias comendo alimentos ultraprocessados e mais 14 dias consumindo alimentos mais naturais. Diante de um cardápio que tinha uma quantidade de calorias, macronutrientes, fibras, açúcar e sódio muito parecidos, os voluntários receberam três refeições diárias e podiam comer o quanto quisessem.
No final, os resultados evidenciaram que, quando as pessoas estavam na fase ultraprocessada do experimento, elas comiam, em média, 508 calorias a mais por dia, sendo que, em duas semanas, elas ganharam quase 1 kg em média. Por outro lado, as pessoas que estavam no grupo dos ultraprocessados e passaram para o grupo não ultraprocessado, perderam, em média, 1 kg nessas duas semanas. Os níveis de gordura corporal também aumentaram quando os participantes estavam na fase dos ultraprocessados e diminuíram na fase dos alimentos não processados.
Em relação ao consumo, os pesquisadores avaliaram a velocidade nas refeições e viram que os alimentos ultraprocessados eram consumidos mais rapidamente que os alimentos não processados. Os autores sugerem que limitar alimentos ultraprocessados da dieta diminui o consumo de calorias e resulta em perda de peso, enquanto que o consumo de uma dieta com uma grande proporção de produtos ultraprocessados aumenta o consumo energético e leva ao ganho de peso, principalmente pela capacidade de “enganar o nosso corpo” enquanto os consumimos, como ressalta Luna Azevedo.
“A maioria dos alimentos ultraprocessados é formulada para ser consumida em qualquer lugar e sem a necessidade de pratos, talheres e mesas. É comum o seu consumo em casa enquanto se assiste a programas de televisão, na mesa de trabalho ou andando na rua. Essas circunstâncias, frequentemente lembradas na propaganda de alimentos ultraprocessados, contribuem para um “comer sem atenção”, que prejudica a capacidade do organismo “registrar” adequadamente as calorias ingeridas”, pontua a nutricionista.
Duas outras pesquisas, publicadas no periódico científico British Medical Journal, já haviam atestado perspectivas ainda mais assustadoras sobre o consumo dos ultraprocessados: pessoas que consomem esse tipo de alimento têm menor longevidade de vida e maiores chances de desenvolver doenças cardíacas.
O primeiro estudo, realizado na Espanha, revelou que pessoas que consomem mais de quatro porções por dia de alimentos industrializados apresentam um risco 62% maior de morrer se comparado a quem come menos de duas porções por dia, sendo que, para cada refeição adicional de ultraprocessados, o risco de morte aumenta em 18%. Já o segundo estudo, feito por pesquisadores franceses, apontou que pessoas que comem esses alimentos estão mais propensss a sofrer acidente vascular cerebral, ataque cardíaco e outros problemas cardiovasculares.
Como foram feitos os estudos?
Conduzido pela equipe da Universidade de Navarra, o estudo espanhol monitorou os hábitos alimentares e a saúde de quase 20.000 pessoas entre 1999 a 2014, sendo que ao longo desse período, 335 participantes morreram. Após excluir efeitos causados por fatores como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e tabagismo, os pesquisadores notaram que os riscos permaneciam altos para quem consumia mais de quatro porções por dia de alimentos ultraprocessados: o risco de morte, por exemplo, aumentou em 18%.
Por outro lado, a equipe francesa, da Universidade de Paris, reuniu detalhes sobre as dietas e a saúde de mais de 105.000 pessoas. Depois de acompanhá-las por mais de cinco anos, os pesquisadores perceberam que os participantes que consumiram os alimentos ultraprocessados estavam em maior risco de doenças cardiovasculares. Além disso, as observações mostraram também que se o nível de consumo cresceu ao longo do estudo, de 10% para 20%, o risco de desenvolver problemas cardíacos aumentou em 12%. A pesquisa, no entanto, destacou que a descoberta não prova que esses alimentos são a causa direta dessas doenças uma vez que os resultados encontrados sugerem que 277 casos de doenças cardiovasculares surgiriam a cada ano em 100.000 consumidores de alimentos ultraprocessados, contra 242 casos no mesmo número de indivíduos cujo consumo era menor.
Redução de consumo
Muitas pessoas, para justificar o consumo, afirmam que os alimentos ultraprocessados têm preços mais acessíveis, além de serem mais práticos na comparação com outros tipos de alimentos. O nutrólogo Higor Vieira, apesar de ressaltar essa praticidade em torno da preparação, pondera que o preço final pode sair mais caro do que o imaginado.
“A questão da praticidade tem que ser levada em consideração, as pessoas estão cada vez mais apertadas em relação ao tempo, então ter aquele alimento mais prático e rápido de ser preparado ajuda. Agora, o preço não é uma justificativa plausível. O preço, teoricamente mais baixo de um ultraprocessado, é uma resposta a curto prazo, porque se você avaliar a médio/longo prazo, esse alimento pode gerar doenças, afastamento de atividades, inclusive o trabalho, perda de rendimento, e no final das contas irá se tornar mais caro. Nessa conta, o denominador deve ser a sua saúde, não o preço ou a praticidade apenas”, ressalta o nutrólogo.
Se você procura alternativas, saiba que elas não são nada mirabolantes. Os alimentos in natura ou minimamente processados, como arroz, feijão, vegetais e frutas, possuem um preço mais baixo que o conjunto dos ultraprocessados. De fato existem frutas e verduras cujos preços são mais caros, mas os nutrientes necessários para uma boa alimentação conseguem ser encontrados em opções mais acessíveis, além de também serem alimentos de consumo prático. É importante ter em mente que todos os alimentos ultraprocessados possuem em sua composição alto teor de conservantes e aditivos prejudiciais à saúde, além de baixo teor de nutrientes. Entretanto, os embutidos, como salsicha, salame e mortadela, são excepcionalmente prejudiciais, já que, além de contar com a própria gordura saturada das carnes, que é um fator de risco para doenças crônicas, também contêm nitritos e outros conservantes e aditivos com alto potencial cancerígeno. Costuma-se dizer que se um produto contém mais de cinco ingredientes, provavelmente é considerado ultraprocessado.
É preciso cuidado com as pegadinhas na hora da compra. Muitos produtos ultraprocessados estão nas prateleiras dos supermercados com denominações que podem conduzir o consumidor. Você encontra produtos com letras garrafais “sem glúten”, “sem lactose”, “0% gordura”, “com adição de…” “sem adição de…”, a presença dessas chamadas nas embalagens pode nos levar a acreditar que esses alimentos são melhores, mas nem sempre é assim. Em muitos casos, para eliminar esses nutrientes de um produto, outros precisam ser adicionados para manter textura e sabores parecidos com os produtos originais, e esses alimentos acabam ficando muito longe do que eram originalmente.
Para quem ainda tem dúvidas por onde começar, o nutrólogo Higor Vieira recomenda como um bom início não apenas a procura por um profissional da área da nutrição, mas também o despertar do próprio interesse pela comida e o consumo, e para isso, aconselha o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, que é referência mundial e oferece à população informações sobre alimentação saudável e a prevenção de doenças crônicas como obesidade e diabetes, ajudando a quem deseja fazer melhores escolhas alimentares.
“É preciso se interessar pela mudança, buscar ajuda, conhecer o que está comendo, quem sabe um nutricionista para orientá-lo na mudança de hábitos. Temos também guias alimentares na internet visando um melhor comportamento nutricional, inclusive um do Ministério da Saúde, elaborado por nutricionistas e profissionais da área, chamado “Guia Alimentar para População Brasileira”, que é uma cartilha que fala sobre nutrição comportamental, culinária, educação nutricional, e já tá na segunda edição, portanto, é uma ótima leitura para quem deseja mudar seus hábitos alimentares”, aconselha Higor Vieira.
Fonte: G1.globo.com